Gênero e Racismo Ambiental

A pesca artesanal, no mundo todo, é uma atividade produtiva – e um modo de vida – que depende do esforço, da inteligência e da dedicação de homens e de mulheres. Não existe pesca artesanal feita só por homens. É verdade que em numerosos lugares as mulheres não pescam em mar aberto distante da costa. Mas, é também verdade que em milhares de comunidades ribeirinhas e costeiras é muito frequente encontrar mulheres que pescam em águas próximas, em rios, lagos e manguezais, assim como capturam crustáceos, moluscos e algas, que são também formas de pesca que contribuem no sustento local. As mulheres pescam tanto para vender quanto para o consumo de suas famílias.

É muito importante ter em consideração que a pesca é bem mais que o ato de captura em si. Depende de um conjunto de tarefas pré e pós-capturas e, nestas, a presença de mulheres é intensa tais como na fabricação e o conserto de redes, no beneficiamento e na comercialização dos peixes e mariscos.

Há, ainda, tarefas feitas geralmente no âmbito familiar, como o cuidado com as roupas e os alimentos dos tripulantes. Lembremos, ainda, os tantos casos em que são as mulheres que se ocupam de fazer as compras de implementos para as embarcações, a exemplo de peças de motores, linhas, panagens de rede, quando os homens ficam pouco tempo em terra para se ocuparem de tais tarefas. A própria presença mais constante das mulheres em terra explica que, com bastante frequência, também são elas que atuam de forma mais assídua na organização coletiva das comunidades para a defesa de seus direitos.

Pensar a pesca artesanal implica, também, compreender que a rentabilidade de muitas pescarias é flutuante, variando conforme as marés, as estações do ano, as espécies alvo etc. Nesse sentido, as mulheres também se dedicam a atividades externas à pesca, como, por exemplo, agricultura, vendas ou prestação de serviços diversos, que são cruciais para gerar renda e as famílias enfrentarem as oscilações e incertezas dos ofícios pesqueiros.

Portanto, assim como os homens, as mulheres são trabalhadoras na pesca. Ocorre que frequentemente sua dedicação é variável, sob contratos informais, temporários, ou então no próprio seio da família, de modo que elas não conseguem o registro profissional de pescadoras com facilidade, além de terem pouco poder de barganha sobre o preço de seus serviços e produtos.

E, mesmo quando logram ser registradas como pescadoras, elas têm mais dificuldades de terem acesso a benefícios previdenciários do que os homens, a exemplo de auxílios-doença ou acidentes de trabalho e a aposentadoria. Elas sofrem pelo fato de que nosso sistema de previdência social é cego à participação delas na pesca, que envolve muito trabalho, muito sacrifício pessoal, mas não é reconhecido, por não se dar na linha de frente das águas. Todavia, sem elas, sem sua lida diária, a pesca no mar, nos rios, nos lagos, não seria possível. Tudo que elas fazem em terra e nas águas é trabalho, é vida para as comunidades pesqueiras artesanais.

Enfim, apesar da dificuldade de dispormos de estatísticas sobre a participação das mulheres no setor, vale ter em mente alguns números apontados pela FAO, a agência das Nações Unidas para a Alimentação. No ano de 2014, as mulheres representavam 19% de todas as pessoas envolvidas na pesca e na piscicultura em todo o mundo. Essa mesma agência estima que a pesca e a piscicultura são responsáveis pelo sustento de 10 a 12% da população mundial.

No Brasil, o número de pescadores profissionais, de acordo com os últimos dados do Registro Geral da Pesca, de 2015, é de 1.087.725 pescadores, dos quais 45,9% são mulheres e 54,1% homens (MPA, 2016).

Referências:
FAO. Promoting gender equality and women’s empowerment in fisheries and aquaculture. Disponível em: https://www.fao.org/3/i6623e/i6623e.pdf. Acesso em 26/10/2021
MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA- MPA, Dados do Registro Geral da Pesca – Pescadores, Embarcações, Colônias, Associações, Sindicatos e Cooperativas. Brasília: MPA, 2016

As políticas ambientais nas quais é evidente a discriminação e segregação racial é um dos efeitos do racismo ambiental. O termo e conceito surgiu em 1981, nos Estados Unidos, pelo líder afro-americano de direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr e faz referência às maneiras desiguais pelas quais a população de cor, no cenário brasileiros mulheres e homens negros e indígenas, é vulnerabilizada e exposta a fenômenos e condições ambientais nocivas, tais como falta de lixões, aterros sanitários, enchentes, etc.

Entende-se como racismo ambiental questões ambientais, como descarte incorreto de lixo, eventos climáticos extremos e crimes ambientais que tem como principais vítimas pessoas negras e indígenas. O cruzamento entre injustiça racial e ambiental estabelece uma série de condições de vida para essas populações étnico-raciais vulneráveis, que vivem tanto no ambiente de floresta quanto no ambiente urbano.

A falta de saneamento básico, de água potável e de ordenamento territorial são alguns dos cenários que favorecem a ampliação das desigualdades dessas populações, que em muitos casos são forçadas a viver em áreas inseguranças, como encostas e beira de córregos, e portanto, mais impactadas pelas efeitos das mudanças climáticas.

Estudiosos do tema apontam que a legislação ambiental não contribui para a mitigação dos danos ambientais do processo econômico que impacta a vida das populações negras e indígenas, e em alguns casos as leis ambientais são utilizadas para manter e reforçar as desigualdades raciais.

A ausência de demarcação e o desrespeito aos territórios indígenas e quilombolas são também reflexos do racismo ambiental brasileiro. Assim, como crimes ambientais, como o derramamento de mais de cinco mil toneladas de petróleo nas praias do Nordeste, em 2019, que aprofundou o racismo ambiental na região. O maior desastre do litoral nordeste atingiu milhares de famílias de pescadoras e de pescadores artesanais, em sua maioria formada por pessoas negras e indígenas, que já vivenciam uma série de impactos frente ao padrão de comportamento de desenvolvimento, que tem por objetivo afastar e prejudicar as comunidades pesqueiras de seus territórios.

Referências:

SANTANA-FILHO, D.M.; Rocha, Julio Cesar de Sá da. Justiça Ambiental das Águas e Racismo Ambiental. Série Textos Água e Ambiente, v. 1, p. 33-41, 2008. Disponível em: . Acesso em 30/03/2022 PACHECO, Tania. Racismo ambiental: expropriação do território e negação da cidadania. In.: SRH (Org.). Justiça pelas águas: enfrentamento ao racismo ambiental. Salvador: Superintendência de Recursos Hídricos, 2008, p. 11-23. Combate ao racismo ambiental. Disponível em: . Acesso em: 30/03/2022